25 de março de 2010

Enfrentando a Morte


A Época dessa semana trouxe uma matéria muito interessante, mostrando as diferentes reações do ser humano a morte, uma coisa que vem acontecendo desde que o mundo existe mas sempre nos pega desprevenidos.
Quando eu li aquela matéria me lembrei de uma história que aconteceu comigo e decidi que seria o tema da minha postagem de hoje.
Quando eu estava na 8º série do colégio S. eu estudava no turno da tarde. Em meados de abril, mais ou menos, uma menina da manhã foi transferida para a nossa turma. Eu lembro da primeira vez que eu a vi, dava para ver que tinha algo com ela, algo diferente, lembro que eu própria tive preconceito com ela no primeiro momento que a vi, mesmo que por um momento. Tenho raiva de mim as vezes até hoje por causa disso mas ela nunca me julgou ou brigou comigo, mesmo quando eu lhe contei sobre isso.
Seu nome era Carolina. Estudamos todo o ano juntas e no grupo tinham mais duas meninas, a M. e a A. Enquanto estudavamos fui descobrindo uma realidade totalmente nova para minha, a realidade das pessoas com câncer.
Ela foi transferida para a nossa classe porque de manhã ela ficava cansada e não rendia, só fui entender depois o porquê. Sempre gostei de andar com as pessoas que não eram aceitas porque nunca gostei de ver ninguém sozinho, se eu fosse eu a novata, eu esperaria a mesma coisa.
Ela então me contou o porque da transferência, ela tinha câncer. Na verdade ela estava no 2º câncer, o primeiro foi em um dos ossos da perna, por isso ela teve que retirá-lo e andava com sandálias feitas sob medida para que ela não sentisse tanto a diferença ao andar. Só que, dessa vez, o câncer era no pulmão.
Lembro-me também no dia em que os professores vieram falar comigo me agradecer e parabenizar porque no turno da manhã ela não era tão aceita, ela andava sozinha. Naquele dia eu me revoltei, não contra os professores, mas contra os alunos. Vi que os alunos naquela idade já tinham preconceito e a afastavam por ser diferentes. Ignorantes, câncer não é transmissível para que exista esse distanciamento. Mesmo que fosse, poucas doenças são tão facilmente passadas, se fosse algo que apresentasse perigo ela não estaria na escola sem nenhuma proteção.
Lembro tão bem de vários momentos.. Quando descobri sua paixão por laranja e por livros, uma das coisas que nos uniu. Ela tinha muitos livros, e sempre me emprestava e trocavamos opnioes e idéias, sobre tudo. Lembro de quando ela me emprestou a coleção de Desventuras em Série com os irmãos Baudelaire e em cada edição havia uma dedicatória do seu pai dando força para o tratamento. Lembro até hoje como eu me senti abençoada por ela deixar que eu entrasse tão fundo em sua vida. Cada dedicatória me emocionava e do fundo do meu coração eu esperava que estava tudo bem. As vezes em que fui a sua casa e vi seu quarto, todo laranja, com um pouco dela em cada lugar. Livros, filmes, ela. Passamos a tarde vendo seriados no laptop e falando besteira. Conheci sua mãe, tão boa e gentil, seu irmão mais novo, bem naquela fase de videogames e bicicletas e sua irmãzinha, lembro de como ela olhava para ela, com tanto orgulho, com tanto amor. Lembro das tardes no shopping M. que não tinha absolutamente nada de bom, tirando a livraria L., para onde nós sempre íamos.
Lembro que perto do seu aniversário de 15 anos ela ficou curada do câncer no pulmão. Nossa, como nós comemoramos. Lembro da festa de 15 anos, acho que nunca me esqueceria. Ela tão feliz porque seu cabelo estava grande agora que a quimio tinha acabado, lembro que bebemos um pouco de cerveja e nos sintimos donas do mundo. Eu deitei na estrada na frente da sua casa olhando para o céu e pedindo que ela nunca se fosse, que eu a ouviria sempre grtitando por mim, não sempre para sair da rua, mas chamando por mim. Foi um dia muito especial.
Depois daquele ano, nos separamos. Eu fui para o V., a A. foi para o G. e a M. continuou no S. Mesmo assim eu tentava mantes contato, trocamos presentes de natal e conversavamos. Lá pela metade do 1° ano comecei a ficar receosa em ligar para ela. Sentia no fundo do meu peito que tinha algo errado. Quando eu ligava ela nunca estava e lembrava quando ela me disse que quando estava no hospital não falava para ninguém.
A última vez que eu a vi, eu lembro até hoje. O câncer no pulmão tinha voltado e estava mais forte. O tratamento estava deixando ela acabada e ela não podia sequer sair, pois não podia pegar sol. Isso foi em Julho.
No fim de semana depois do dia 06 de Novembro de 2007 foi o fim de tudo. Eu lembro perfeitamente. Eu estava saindo do banho quando ouvi o telefone tocando e minha mãe atendeu. Quando sai, ela estava me esperando na porta. Disse que a mãe da Carol tinha ligado e que ela estava muito mal no hospital. Mesmo hoje, choro quando lembro de quando liguei para uma amiga nossa, a A. que disse que foi o melhor, que ela estava sofrendo muito e entendi que minha mãe estava mentindo para mim. Ela não estava mal. Ela tinha morrido.
Lembro quanta raiva eu senti, da minha mãe por ter mentido, do mundo todo. Eu chorava e minha avó, que estava na minha casa, tentou me consolar falando de que era a hora dela, Deus a estava chamando. Eu fiquei com mais raiva ainda. Como chamar se ela era tão nova? Não viveu quase nada da vida!
Passei a semana chorando e tive mais uma grande decepção. A decisão da Carol era ser cremada então, haveria apenas a missa de 7º dia. Quando liguei para a M. e para a A. elas disseram que não iriam, como eu me senti só naquele momento.
Passei a semana toda chorando, pensando que não era justo, que ela era muito nova. As aulas? Totalmente deixadas de lado. Na missa eu me vi chorando mais forte do que nunca, e minha mãe sempre do meu lado me dando força.
Outro momento que eu nunca vou esquecer foi na saída da missa. Haviam familiares e amigos fazendo fila para falar com a mãe da Carol. Ela simplesmente virou as costas para todos e veio me abraçar. Aquele momento foi muito importante, eu vi que eu não estava só. Ela deixaria saudades em muita gente.
Quando fez um ano e dois anos eu liguei para mãe dela. Não sei porque, acho que eu precisava ter certeza que ela existiu, que eu não era a única a lembrar dela. Cada ano que passou a mãe dela parecia mais calma, acho que os dois filhos que estavam aqui a deram a motivação para ficar bem. Espero nunca perder contato com eles, para quando a irmãzinha dela crescer poder contar a ela que linda pessoa era a sua irmã.
Hoje eu não diria que eu superei a morte dela, pelo contrário. Pois superação quer dizer que eu segui em frente. Eu superei a dor mas nunca vou superar a saudade. Porque mesmo que o tempo passe, ela sempre vai ter o seu lugar no meu coração, então não, eu não quero superar, eu quero lembrar dos bons momentos, pois era assim que ela iria querer ser lembrada. Como a única que realmente amava ir a escola, que vivia cada dia intensamente, como uma das pessoas mais felizes que eu já conheci.
Então, não se prendam ao fato de que a pessoa se foi. Ela sempre estará aqui, enquanto houver uma única pessoa que se lembre.

Carol, eu te amo. Não importa onde você esteja, você está no meu coração.

1 comentários:

Plyra disse...

Já conhecia um poko da historia da Carol, cada vez que descubro mais fico mais emocionado...

Admiro mto vc por deixar de lado qualquer preconceito e ter mantido uma das maiores amizades que eu ja vi alguem ter.

Sempre estou do seu lado amor e pode ter certeza que aonde a Carol estiver ela tb olha por vc.